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Publicado em: 04/10/2016 às 14:59

Caminhos da inovação

Por: Ascom/Fapesb

Seja com a consolidação do Parque Tecnológico ou com o crescimento dos investimentos privados, a Bahia começa agora a busca pela trilha da inovação e do mercado de startups de tecnologia que poderá revolucionar o mercado nos próximos anos

 

REVISTA MUITO - Caminhos da Inovacao
De uma sala apertada de um prédio comercial na Avenida Tancredo Neves vem um barulho incomum para uma vizinhança apinhada de escritórios de advocacia e clínicas médicas. Uma disputa de jogo de dardos ocupa o centro do espaço e uma TV escanteada exibe um episódio da série ultrapopular Game of Thrones. Há notebooks grafitados por toda parte, manuseados por seis jovens que não têm mais do que 30 anos. Estamos numa empresa em início de carreira, mas cujo saldo bancário, há um mês, recebeu um aporte veterano: sete milhões de reais.

“Trabalhamos no azul, mas com pressa”, diz Tiago Oliveira, 27, cofundador, ao lado do irmão, Henrique Oliveira, e do amigo Hugo Azevedo, da Moldec, uma startup (como é chamada uma empresa iniciante que aposta em ideias inovadoras) dedicada à criação de aplicativos para celular. A soma despejada por um fundo de investimento colocou o empreendimento na rota de lançamento de um aplicativo que cria outros aplicativos.

“Ajudaremos o usuário não só a criar o seu, mas também a ganhar dinheiro com ele, sem precisar de uma equipe técnica”, diz Tiago, enquanto aponta para uma apresentação em seu computador. “Neste momento, nosso foco está em oferecer o serviço da forma mais rápida possível. Ninguém tem muito tempo para esperar. Trabalhamos com a meta de segundos”.

Há poucos anos, o caso da Moldec seria um ponto fora da curva num estado que parecia alheio ao bilionário mercado de startups de tecnologia – só no país, segundo dados da Associação Brasileira de Startups, a área movimenta R$ 2,5 bilhões por ano -, mas a confluência de investimentos públicos e privados, se ainda não foi capaz de criar o vale do silício brasileiro, como já foi alcunhada a vizinha Recife, vem posicionando a Bahia no curso da inovação.

“Mercados funcionam como um ecossistema. Sem harmonia e comunicação entre as diversas partes, esqueça”, diz Cloves Santanna, 68, professor decano da Faculdade de Ciências da Computação da Ufba, o primeiro curso de graduação no Brasil nesta área, inaugurado em 1968. “Durante anos, nossa universidade colocou profissionais num mercado deserto. Não havia uma política pública voltada ao fomento da indústria de tecnologia, muito menos oferta de dinheiro para investimentos de risco. Não estamos no céu, mas já deixamos o inferno”.

O investimento do poder público vem, sobretudo, traduzido no Parque Tecnológico da Bahia, que completa quatro anos de funcionamento este mês. O espaço, gerido pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e situado às margens da Avenida Paralela, abriga hoje 32 empresas de tecnologia, a maioria delas startups selecionadas via edital, processo que garante aos empreendimentos incentivos como isenção de impostos e financiamento. Também há verba do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), ambos ligados ao governo federal.

Da iniciativa privada, a chegada de recursos de capitais de fundos de investimento privados é a principal mola – neste processo, investidores enxergam potencial em uma empresa que ainda está nascendo e aporta dinheiro na ideia do negócio. Mas empresários e pesquisadores costumam apontar um fator, até então escasso no mercado de tecnologia baiano, fundamental para a mudança de cenário: ideias realmente competitivas.

Antídoto

“Nunca monte uma empresa pensando no investidor. São poucos os que realmente conseguem investimento. Se você for empreender, pense sempre em fazer um negócio autêntico, que caminhe sozinho”, diz Bruno Cabral, 26, que, ao lado de Gabriel Peixoto, fundou a Potelo Sistemas. A empresa, iniciada em casa, funciona hoje no Parque Tecnológico da Bahia e tem o site Escavador como seu principal produto. A plataforma permite ao usuário ter acesso a informações de diários oficiais e processos jurídicos. “A ideia é conseguir agregar e disponibilizar toda informação pública que seja útil para o usuário”.

Com apenas três anos de vida, a Potelo caminha agora rumo à maturidade crucial entre as empresas de tecnologia. Segundo levantamento feito pela Fundação Dom Cabral, 50% das startups brasileiras não conseguem chegar ao quarto ano de vida (a competitividade e a pressão por apresentar resultados entram nessa equação). Os 200 mil usuários diários e a terceira posição no ranking de sites jurídicos do país são os cartões de visita apresentados pela Potelo na busca por novos aportes financeiros. “A pergunta que um investidor faz é: esta empresa cura uma ‘dor’? Ela atende a uma necessidade?”, diz Bruno. “Se uma empresa iniciante está empacada em uma ideia equivocada, ela vai errar de novo e de novo, em um ciclo interminável”.

A busca por oferecer um antídoto às dores dos usuários preenche as conversas nos corredores do Parque Tecnológico da Bahia. Não só: ali, tem-se a impressão de que o tempo ganha uma vilania extra. Num mercado em que a oportunidade é agora, e só agora, perder-se na burocracia ou numa ideia equivocada é o caminho inevitável para a bancarrota. A urgência também vem do fato de que as startups baianas caminham sobre um terreno ainda pouco sedimentado.

“É como largar atrás num circuito em que ninguém pode ser retardatário”, diz Antônio Rocha, 44, diretor da incubadora do Parque Tecnológico, um espaço responsável por oferecer apoio na gestão das empresas. “A Bahia percebeu, há pouquíssimo tempo, a direção do vento. O Parque Tecnológico de Recife e do Rio de Janeiro, por exemplo, possuem mais de dez anos de existência. E esses são espaços importantes, porque criam um ambiente propício à inovação. Ao contrário das empresas clássicas, em que as concorrentes não conversam entre si, o universo das startups pressupõe troca de experiências e conhecimento entre os criadores”.

Durante o período de incubação, as empresas recebem, da equipe coordenada por Antônio, um diagnóstico sobre as dificuldades específicas de cada negócio e uma indicação de como superá-las. É o momento em que a empresa tem a oportunidade de agregar valor ao que pretende oferecer. Em geral, é com alguma prova de que o mercado se interessa por aquele produto (como número de usuários, mesmo não pagantes) que uma startup consegue conquistar novos aportes financeiros, seja através de investidores ou aceleradoras (empresas que apoiam e investem no desenvolvimento da ideia, em troca de participação em ações).

“Montar uma startup é diferente de abrir uma padaria ou uma loja de roupa. Por definição, estamos falando de um empreendimento inovador, com potencial para acender e ganhar escala. Um negócio, sobretudo, de risco, já que, na maioria das vezes, ninguém pôs em prática a ideia antes”, diz a economista e cientista de dados Victoria Ghirello, autora do artigo Um estudo das startups na Bahia.

Ghirello cita “identidade” como uma das faces em formação do mercado local de startups. “A verdade é que nós ainda precisamos achar a nossa voz. A Bahia tem um potencial imenso para a produção de energia limpa, seja eólica ou solar. Talvez a nossa identidade esteja aí”.

Paineis solares

Se a indústria da tecnologia, na Bahia, caminhará com o fortalecimento da produção de energias renováveis (o estado é, hoje, o segundo maior produtor de energia eólica do país, atrás apenas do Rio Grande do Norte), o tempo e o mercado dirão. Mas, para a startup Linz, criada pelo engenheiro de energia Tomás Antônio, 31, esse já é um negócio. Fundada em 2014, a empresa pretende oferecer a instalação de painéis solares alugados, para que o próprio usuário produza sua energia.

“Além de disponibilizar uma fonte com menor impacto no ambiente, a ideia é entregar o melhor custo-benefício”, diz Tomás. “O consumidor pode instalar painéis solares de tamanhos variados, em casa ou no trabalho. Como a aquisição desses painéis sai caro, oferecemos aluguel através de uma taxa mensal”. Ainda em fase de testes, a iniciativa já foi abraçada pela aceleradora Wow, que tem sede em Porto Alegre e oferecerá suporte à iniciativa baiana até o início do ano que vem.

Outros projetos ligados à produção e ao consumo de energia deverão surgir a partir do “laboratório vivo”, que está previsto para ser instalado no primeiro semestre de 2017 no Parque Tecnológico. Em parceria com o Instituto Fraunhofer, fundação de pesquisa aplicada alemã, a iniciativa servirá como ponto de partida para o desenvolvimento de ideias que aprimorem a vida nas cidades.

“Cada iniciativa apresentada por uma empresa ou startup será testada e disponibilizada no próprio parque, como uma espécie de maquete em tamanho e movimento reais”, diz a cientista da computação Daniela Bacellar, 39, coordenadora do projeto. “Teremos, no laboratório, o desenvolvimento de lixeiras inteligentes, estacionamentos funcionais e postes que trabalham para economizar energia. O propósito é que prefeitos e secretários possam visitar o laboratório e levar as soluções para as suas cidades. Será o empreendedorismo inovador aplicado à cidade”.

Visão de mercado

Segundo a última pesquisa do Monitoramento de Empreendedorismo Global, que reuniu 300 instituições acadêmicas e de pesquisa distribuídas por mais de 100 países, a taxa de empreendedorismo da população brasileira atualmente é de 40%, contra 20% de dez anos atrás. No entanto, não são poucos os levantamentos que apontam as deficiências dos empreendedores brasileiros. Em 2015, uma pesquisa realizada pela Escola de Administração da Ufba, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), elencou as principais falhas das empresas de tecnologia no país. No topo, a falta de visão de mercado.

“Em seleções de startups para editais ou aceleradoras, às vezes, há ideias geniais, mas, quando se pergunta ‘vai vender para quem?’, percebemos o vazio da proposta”, diz a professora da Escola de Administração da Ufba Ana Ribeiro, uma das coordenadora da pesquisa em parceria com a FGV. “De forma geral, os brasileiros são muito criativos, mas pouco inovadores. Inovação tem a ver com método, com procedimentos, e nós ainda não temos o hábito de sistematizar as coisas”.

Apresentada em palestras, conferências e eventos sobre tecnologia como um caso de sucesso no Brasil, a história da startup baiana Movpak é, no entanto, uma peça afinada, onde se encaixam os diversos pontos do mercado de tecnologia, a começar pela estratégia de mercado. O produto: uma mochila que vira skate.

Espírito do tempo

“Empreender com sucesso é captar um momento, o espírito de um tempo. Com tecnologia, então, a antena precisa ser ainda mais afinada”, diz Hugo Dourado, 44, em meio a dados que atestam o triunfo de uma de suas criações, concebida com os sócios Felipe Junquilho e Ivo Machado. Ao facilitar a mobilidade urbana e atribuir “inteligência” a uma mochila, os três conseguiram criaram uma peça que já se tornou popular no mercado, antes mesmo de ela chegar até ele.

A Movpak, como também foi batizada a mochila, é um dispositivo multifunção – pode se transformar em skate, conta com rastreador, carregador de telefone (USB e sem fio), iluminação (que funciona como lanterna durante a noite) e um pequeno sistema de som embutido.
A sua confecção é a exemplificação de uma cena florescente. O projeto foi desenvolvido no Parque Tecnológico da Bahia, onde permaneceu por um ano; foi aprimorado em parceria com investidores privados; e popularizado por meio de sites de financiamento coletivo, onde os próprios usuários contribuíram para que o projeto saísse do papel.
“O bom empreendedorismo tech é uma mistura de dom e treinamento árduo, como um atleta numa olimpíada”, diz Hugo Dourado, cuja criação chegará às lojas de todo o país no primeiro semestre de 2017″. Mas é, sobretudo, fruto de um ambiente que propicie a inovação”.

Fonte: Revista Muito/A Tarde

 

Link: http://atarde.uol.com.br/muito/noticias/1806210-caminhos-da-inovacao

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