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Publicado em: 01/08/2013 às 14:44

Entrevista: Mitermayer Galvão fala sobre o apoio da Fiocruz e da Fapesb para a CT&I na Bahia

Por: Ascom/Fapesb

Mitermayer Galvão, ex-diretor da Fiocruz – BA, um dos maiores centros de pesquisa do país, é líder e membro de importantes grupos de pesquisa nas áreas de saúde e meio-ambiente. Pesquisador apoiado pela FAPESB desde 2002, Mittermayer já desenvolveu diversos projetos de pesquisa e coordenou eventos voltados para problemas que acometem o estado da Bahia, como esquistossomose, hepatite C, meningites, leptospirose, dengue e tuberculose. Em maio deste ano, completou seu quarto mandato à frente da Fiocruz. Confira a entrevista de Mitermayer:

1- Qual é o papel da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz no desenvolvimento científico e tecnológico da Bahia?

A Fundação Oswaldo Cruz é a principal instituição de pesquisa para a saúde pública na América latina e tem um papel muito importante para a Bahia. Na década de 50 foi criado aqui um núcleo de pesquisa, vinculado ao Instituto Oswaldo Cruz do RJ. Não era uma unidade propriamente dita. Esse núcleo teve um papel importante naquela época, liderado pelo pesquisador baiano Otávio Mangabeira Filho, com foco principalmente nos estudos da entomologia das doenças endêmicas. Na década de 70, ele veio para Salvador e começou a expandir os estudos na área de esquistossomose, chagas e leishmaniose. No início da década de 80, esse centro avançado da Fiocruz se transforma em uma unidade propriamente dita e aí ele passa a ser o Centro de Pesquisa Gonçalo Muniz da Fundação Oswaldo Cruz. No fim da década de 80, foi implantado aqui um laboratório avançado de saúde pública, com a finalidade de fazer o isolamento e caracterização do vírus da AIDS no Brasil. Isso foi um grande avanço. Em dezembro de 1993, nós assumimos a direção do centro e fizemos um plano diretor que envolvia a melhoria do espaço físico. Hoje em dia, a infraestrutura da Fiocruz Bahia é considerada de ponta para os nossos padrões no Brasil e também pelos colegas do exterior. Também definimos que era importante investir em recursos humanos. Então começamos ampliando nosso curso de pós-graduação que, inicialmente, era voltado exclusivamente para médicos patologistas. Incluímos os colegas das áreas de ciências biológicas e da saúde abrindo espaço para os estudantes de biologia, farmácia, veterinária, nutrição, enfermagem. Hoje temos estudantes de várias áreas, inclusive sociais, história e geografia. Essa diversidade de expertise permite que a gente execute um projeto com uma ação multidisciplinar, eu diria até transdisciplinar. Nós também criamos espaços coletivos multiusuários com os grandes equipamentos que geralmente estavam ligados a um determinado pesquisador e chamamos isso de plataforma. Estas plataformas estão disponíveis para todos os pesquisadores da unidade e do Estado da Bahia. Outro avanço importante é o fato de nós recebermos aqui estudantes desde o nível secundário, para fazer Iniciação Científica Júnior, até estudantes que vêm para fazer mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Temos no nosso quadro pesquisadores de ponta para a C&T na Bahia e até para o mundo e, por isso, passamos a funcionar como referência. Eu não tenho dúvida que a Fundação Oswaldo Cruz tem um papel extremamente importante para o desenvolvimento científico e tecnológico no estado da Bahia, com foco principal na área de saúde.

2- Este ano, o senhor deixou a presidência da Fiocruz. Como o senhor avalia sua gestão à frente desta instituição tão importante para o país?

Evidentemente que a avaliação deve ser feita por outras pessoas, mas eu não vou me furtar de chamar a atenção para alguns avanços que eu coordenei. Nós conseguimos, no primeiro ano de nosso mandato, o orçamento de 1,6 milhões de reais que foi um valor considerável. Isso de alguma maneira nos permitiu atrair novos grupos de pesquisadores para trabalharem aqui na nossa unidade. Nós ampliamos as possibilidades para formar recursos humanos e, ao lado disso, conseguimos melhorar a estrutura física e adquirir equipamentos. Também ampliamos as nossas linhas de pesquisa. Criamos um programa de epidemiologia clínica e molecular. Organizamos grupos de atividades programáticas para o estudo da imunopatogênese das doenças para identificar biomarcadores. Também estimulamos pesquisas para a identificação de antígenos com potencial diagnóstico e de vacina. Estamos fazendo isso com a leishmaniose e já fizemos com relativo sucesso na leptospirose. Estamos trabalhando com uma coisa nova que é a terapia celular. Hoje existe um laboratório muito bem equipado no Hospital São Rafael numa parceria com a Fiocruz para trabalharmos com terapia celular. Além disso, criamos seções científicas mensais das quais participam nossos pesquisadores, convidados de fora e o público em geral. Além disso, esse centro passou a oferecer a todos os cidadãos aqui do Estado da Bahia uma biblioteca extremamente confortável, onde se tem acesso a mais de dois mil periódicos financiados pela CAPES. É comum chegar aqui e encontrar vários garotos sentados no computador. Alguns deles moram aqui nas comunidades mais carentes no entorno. Isso mostra que essa unidade faz ciência com inclusão social e redução das desigualdades. Nós criamos o Bloco da Camisinha, que era um bloco para chamar a atenção para o uso do preservativo no carnaval, onde distribuíamos preservativos gratuitamente e, com isso, estimulamos o governo a criar uma fábrica de camisinha no Acre. Eu não poderia deixar de dizer também que nós fizemos vários convênios com as universidades estaduais, com os institutos de pesquisa, com as associações de moradores de Salvador, com alguns municípios onde nós desenvolvemos atividades de pesquisa e também com grandes universidades internacionais. Enfim, eu acho que nós criamos paradigmas, que são utilizados hoje por nossos colegas de outras unidades da federação e do exterior. Eu acho que quando olhamos todas as atividades que nós desenvolvemos aqui, todas as pesquisas, concluo que tivemos sucesso.

3- Muito se tem falado sobre a expansão da produção científica no Brasil. O conhecimento produzido na Bahia está se transformando em desenvolvimento tecnológico para a população?

Realmente tem se falado muito da expansão da produção científica no Brasil. Eu não tenho dúvidas que o conhecimento produzido na Bahia tem contribuído para o crescimento do Brasil. Toda pesquisa na Bahia, até pouco tempo, estava concentrada na UFBA, e toda pesquisa na área de saúde na UFBA e Fiocruz. Mas hoje não, hoje você já encontra grupos de pesquisa em universidades daqui da Bahia, nas estaduais, nas escolas particulares, nas filantrópicas, e isso não só em Salvador, mas no interior também. Antes a pergunta era: você faz pesquisa? E você publica essa pesquisa em revistas de impacto? Nós aumentamos a publicação de pesquisas e hoje o Brasil está entre, eu diria, 13º ou 14º em termos de produção científica no mundo. Mas estamos lá em 47º no desenvolvimento tecnológico. Existe realmente uma dissociação entre a produção do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico. Então hoje você produz artigos, publica em uma revista de impacto, mas vem a pergunta: você está gerando patentes? E esta patente que você gerou, está gerando riquezas e empregos? Então você vê que mudou o conceito. No nosso meio, e principalmente na Bahia, a maior quantidade de profissionais que formamos em termos de mestrado e doutorado é da área das humanidades. E aí você tem pouco desenvolvimento tecnológico. O que nós precisamos é fazer na área de desenvolvimento tecnológico o que está sendo feito na área de humanidades. Precisamos aumentar o número de mestres e doutores que possam contribuir para o desenvolvimento tecnológico da nação. Aí você tem que ter algumas ações induzidas. Por exemplo: antes tínhamos curso de pós-graduação apenas em patologia e abrimos um curso de biotecnologia. Sempre bati na tecla que deveríamos ter curso de biotecnologia na Bahia e os quatro primeiros cursos abertos aqui foram os da Fiocruz, UFBA, UEFS e UESC. E uma posição pessoal minha é que ao abrir as vagas, 50% delas deveriam ser demandadas pela indústria, porque seria uma forma de forçar a chegar em um produto; 30% seriam destinadas a pesquisas conforme o interesse do orientador; e 20% seriam para candidatos que teriam seus próprios projetos. Temos que ter profissionais dedicados para olhar e ver as oportunidades, estudar as patentes existentes. E indivíduos que digam o que está faltando no mercado, para que você possa induzir a produção de um conhecimento que possa desaguar num produto.

4- Na sua opinião, que desafios o seu sucessor terá que enfrentar nos próximos anos como diretor da Fiocruz?

Desafios sempre existem. Eu acho que gerir uma instituição onde transitam 500 pessoas por dia não é fácil, até porque o crescimento da unidade gera demandas, gera maiores gastos. Então quando nós aumentamos o número de indivíduos e de ações, precisamos de mais espaço. Aí começa a haver tensões. Nós precisamos de mais equipamentos e de uma boa manutenção para eles, e nós precisamos estar produzindo algo realmente relevante para o desenvolvimento científico e tecnológico e, no nosso caso, para a saúde. A maneira como nós trabalhamos aqui é de maneira colegiada. Nossas decisões são tomadas no conselho deliberativo que é composto de membros que representam diferentes setores, e nós trabalhamos com muita transparência. E aí eu sempre faço um apelo aos colegas: nós precisamos ajudar o diretor. Tem uma frase espetacular do John Kennedy que diz: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”. Então utilizando esta frase do Kennedy eu diria que nós temos que perguntar aqui: o que eu posso fazer pela Fiocruz e obviamente, dessa forma, pelo diretor? Nós temos que ajudar o diretor para que ele tenha a tranquilidade de conduzir a instituição e dar a ele também a oportunidade de ser propositivo.

5- Como o senhor vê o papel da FAPESB no atual cenário de CT&I na Bahia e no apoio à Fiocruz?

Na história recente da Bahia para a C&T, a FAPESB é um divisor de águas. Temos o antes e depois da FAPESB. Sem sombra de dúvida a criação da FAPESB – e aí eu me orgulho de ser um dos indivíduos que lutou para isso – foi uma das coisas mais importantes para a Bahia. Com a FAPESB você pode ter recursos para desenvolver atividades de pesquisa, para a formação de recursos humanos, temos recursos que são alocados para estimular vetores do crescimento da economia da Bahia. Isso é fantástico, maravilhoso. A FAPESB realmente tem feito uma diferença muito grande. No momento em que você tem a FAPESB criando a oportunidade para que os pesquisadores preparem projetos, isso obviamente gera oportunidades para o avanço do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico. Antes, pesquisa na Bahia só era feita na UFBA e na Fiocruz porque vinha indiretamente um dinheiro do Ministério da Saúde. Hoje os recursos estão indo para várias instituições. Existem editais inclusive que são orientados só para áreas menos desenvolvidas na área de pesquisa. Temos editais casados, o que é uma atitude inteligente, porque se você bota um edital para uma unidade que está lá no interior e que não tem um histórico de pesquisa, talvez esse recurso se perca. Mas no momento em que você faz um edital que força um casamento entre uma unidade avançada com outra menor, você está possibilitando que esses grupos cresçam. Talvez seja preciso ainda aumentar a quantidade de recursos na FAPESB, de forma a tornar aqui mais competitivo para captar recursos humanos de outras unidades da federação e atrair pesquisadores de outros países.

Por: Lorena Bertino – Ascom/Fapesb

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