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Publicado em: 04/12/2015 às 10:46

Pesquisadores baianos criam plataforma para geração de células-tronco pluripotentes induzidas

Por: Ascom/Fapesb

Em 29 de maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal aprovou, sem restrições, a utilização de células-tronco embrionárias para pesquisas e tratamentos no Brasil. A condição é que os embriões sejam inviáveis (sem potencialidade de desenvolvimento celular) ou estejam congelados por mais de três anos. As células-tronco embrionárias possuem um enorme poder de diferenciação, podendo gerar qualquer célula do corpo humano, caso recebam o estímulo necessário. São, por isso, chamadas pluripotentes. Isso as difere das células-tronco adultas, que são retiradas de tecidos já diferenciados, como sangue, pele, fígado e até do cabelo e, portanto, conseguem basicamente se diferenciar para formar células do mesmo tipo do lugar de origem. Existe, porém, um outro tipo de célula que é retirada do próprio indivíduo adulto e que é reprogramada para possuir as mesmas características da célula-tronco embrionária. São as chamadas células-tronco pluripotentes induzidas (iPSC).

Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), por meio do edital de Apoio a Projetos Estratégicos, os pesquisadores do Centro de Biotecnologia e Terapia Celular (CBTC) do Hospital São Rafael, em Salvador-Ba, conseguiram estabelecer uma plataforma para geração de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSC). O pesquisador Bruno Solano, médico coordenador do CBTC, é o responsável pela condução dos experimentos com iPSC. Ele explica que as células adultas são retiradas do indivíduo e levadas para o laboratório, onde passam por um processo de modificação, chamado de reprogramação celular. Nele, as células deixam de ser diferenciadas e tornam-se células-tronco pluripotentes, como as embrionárias. “Por isso que estas células são chamadas de pluripotentes induzidas, pois a pluripotencialidade foi induzida em uma célula que não tinha esse potencial antes”, explica.

Ainda hoje, as terapias que se propõem a utilizar células embrionárias enfrentam certa resistência, uma vez que é necessário destruir o embrião. Existem problemas éticos e religiosos que dividem a opinião pública, causando discussões sobre a importância da pesquisa científica versus a valorização da vida. O uso de células-tronco pluripotentes induzidas pode acabar com estes conflitos éticos, pois é possível obter uma célula equivalente à embrionária sem utilizar embriões, o que abre uma perspectiva muito grande para a terapia celular.

Foi um pesquisador japonês chamado Shynia Yamanaka que, em 2007, descobriu que as células do organismo adulto podem ser reprogramadas para tornarem-se pluripotentes. Esta descoberta rendeu-lhe o Prêmio Nobel de medicina em 2012. A tecnologia necessária para criar as iPSC é cara e só foi possível trazê-la para a Bahia graças ao apoio da Fapesb: “Fizemos o treinamento no exterior, no Hospital San Rafaelle de Milão, e trouxemos essa tecnologia para a Bahia. É uma tecnologia cara, então o apoio da Fapesb é fundamental para concretizar este projeto”, diz Bruno.

O uso terapêutico das iPSC requer muitos cuidados pois, como possuem pluripotência aumentada, estas células têm a capacidade de se transformar em qualquer tecido, podendo formar, inclusive, tumores. Por isso, ao contrário das células-tronco adultas, elas não podem ser diretamente injetadas no paciente. É preciso diferenciá-las primeiro: “Se eu quero tratar uma doença do fígado, por exemplo, vou ao laboratório para transformar as células iPSC em células do fígado e depois utilizo estas células diferenciadas para tratar o paciente”, explica o pesquisador. “Pretendemos, futuramente, desenvolver outros protocolos para gerar células diferenciadas adultas, células do coração, do fígado, células que produzem insulina e então fazer estudos pré-clínicos com testes em modelos animais, para termos a base para propor qualquer estudo em humanos”.

A primeira etapa do projeto consistiu em estabelecer a tecnologia. Agora, os pesquisadores já são capazes de fazer o processo de reprogramação e obter células-tronco pluripotentes induzidas. O próximo passo é melhorar o protocolo para que ele se torne adequado para futuras aplicações clínicas. Este processo é chamado de GMP, que significa boas práticas de manufatura (Good Manufacturing Practice). As células passam por um processo de manufatura e certificação de acordo com a regulamentação da ANVISA, para que possam ser usadas em pacientes. No momento, ainda não há uso clínico e as pesquisas estão sendo realizadas in vitro.

Com o apoio da Fapesb e a tecnologia que permite transformar células adultas em pluripotentes, o grupo de pesquisa do CBTC do Hospital São Rafael pôde participar de um outro projeto financiado pelo Ministério da Saúde, que é o Biobanco de células-tronco. Neste projeto, os grupos que trabalham com células-tronco induzidas no Brasil geram em seus laboratórios células de pacientes com doenças específicas. O grupo do Dr. Bruno trabalha com anemia falciforme, devido à alta prevalência desta doença na Bahia. As células-tronco serão armazenadas em um banco nacional e poderão ser utilizadas por qualquer pesquisador do Brasil. Há grupos que estão trabalhando com doenças neurológicas, com Síndrome de Down, com doenças cardiovasculares, e todas elas são armazenadas no Biobanco. A anemia falciforme não tem cura, mas as pesquisas com iPSC trazem a perspectiva de que o defeito genético possa ser corrigido.

De acordo com Dr. Bruno, as doenças genéticas servem como base para as pesquisas, pois as células-tronco retiradas dos pacientes possuem as bases genéticas da doença e podem servir como modelo experimental para testes e desenvolvimento de drogas. Isto contribui para diminuir a utilização de animais em experimentos, pois o modelo in vitro com as células de pacientes recapitulam aspectos da doença humana: “Essas células podem servir, por exemplo, para obter células do fígado humanas e testar in vitro em um sistema que pode corresponder mais ao paciente do que um animal que tem outro background genético”, explica Dr. Bruno. Outro ponto positivo das iPSC é que, por serem retiradas do próprio paciente, não há perigo de rejeição no tratamento. Já a terapia com células embrionárias requer a utilização de imunossupressores, da mesma forma que acontece nos transplante de órgãos, pois seu lugar de origem é diferente e a chance de rejeição é grande.

Embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido até que a cura pelo tratamento com células-tronco pluripotentes induzida seja uma realidade, os estudos que estão sendo realizadas pelos pesquisadores baianos trazem grandes perspectivas e a esperança de que, em um futuro não muito distante, os pacientes com anemia falciforme possam ter uma melhor qualidade de vida. “A transição do mundo da pesquisa para a aplicação clínica é demorada, mas basta pensarmos que as pesquisas com células-tronco pluripotentes induzidas se iniciaram recentemente, em 2007, para percebermos que já avançamos significativamente”, comemora Dr. Bruno. Será que haverá uma época em que o tratamento com iPSC vai ser acessível a todos? “É cedo para dizer, pois estamos no início de uma estrada longa, mas o caminho é esse”, afirma o pesquisador.

Por: Lorena Bertino – Ascom/Fapesb

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